Se for um sentimento bom, provavelmente vamos reagir bem. E se for um sentimento que nos desagrade? Como irei responder a ele?
Se o medo me visitar. Ou a vergonha, a angústia, a culpa, o desânimo.
A espiritualidade deixa de ser apenas um exercício teórico ou retórico, para se transformar em algo vivo e prático, quando começamos a considerar que ela não tem tanto a ver com memorização de conceitos, dogmas ou palavras em sânscrito, mas sim com nossa disposição e abertura para uma revolução interna.
E desenvolver novas maneiras, mais criativas, mais humanas, mais compassivas e mais inteligentes de abordarmos nossos próprios sentimentos é algo bastante revolucionário.
Porque se formos olhar a história da humanidade, o sofrimento, a angústia, o medo e o desespero estão nos acompanhando desde sempre. Inventamos foguetes que atravessam o espaço, mas não descobrimos ainda como superar com sabedoria um acesso de raiva ou de frustração.
Coletivamente, estamos ainda estacionados em relação à nossa capacidade de sermos sábios diante dos sentimentos que nos visitam. E dar um passo na direção dessa sabedoria, ou ao menos na tentativa dela, é uma revolução. Uma revolução que não é feita com armas, nem com bandeiras, nem mesmo com livros. Mas sim com um pouco de silêncio, um pouco de atenção, um pouco de vontade de a partir de agora nos colocarmos diante de nós mesmos com 1% a mais de consciência, com 1% a mais de autorresponsabilidade sobre a gerência da vida que somos.
Este movimento interno, é como dizer para nossos antepassados que tentaremos fazer diferente de muitos deles. Quando o medo vier, tentaremos observar ele com mais consciência, ao invés de reagirmos a ele sentindo mais medo e imaginando cenários irreais e assombrosos que só o medo é capaz de imaginar.
Quando a tristeza nos visitar, talvez ao invés de lutar, fugir, ou fingir que ela não existe, a gente acolha ela como uma visitante que deve sim logo partir, mas que enquanto não parte, talvez esteja ali tentando nos ensinar algo sobre a vida, algo sobre ser humano, algo sobre uma mudança necessária que está sendo clamada em nosso interior, por algo dentro de nós que almeja uma vida mais autêntica, mais inclusiva, mais livre, mais verdadeira. Quando tantos e tantos sentimentos, agradáveis e desagradáveis, nos visitarem, ao invés de gastar energia lutando contra os sentimentos ruins e à procura dos sentimentos bons, talvez a gente dedique esta energia para contemplar o que é aquilo que permanece e que observa o vaivém dos pensamentos e das emoções.
Como se posicionar diante dos sentimentos que nos visitam é uma liberdade rara nesta terra.
Talvez os cães não a tenham. Nem os elefantes. Nem as aves. Mas os seres humanos sim. Às vezes nos esquecemos. Mas esta liberdade nos espera sentada, sem pressa, assistindo a gente pensar que não somos livres e acreditarmos neste pensamento. Esta liberdade nos espera, pronta para nos fazer questionar as maneiras em que fomos condicionados a lidar com a vida. E lidar com os sentimentos faz parte disto. E em nossa cultura, talvez por falta de ferramentas internas, acabamos desenvolvendo esta noção de que, diante daquilo que é “ruim” dentro de nós, precisamos destruir. Ou negar. Ou reprimir. Ou fugir. Mas é possível acolher. Observar. Aprender. Transformar. Transcender.
No terreno da consciência, os caminhos estão sempre abertos, as escolhas estão sempre infinitamente à nossa disposição. E escolher como irei abordar o próximo sentimento que me visitar talvez não pareça, mas é uma revolução. Pouco conhecida, pois é silenciosa. E o rastro que ela deixa talvez seja só um rosto com um olhar profundo e de paz pela multidão.
DANIEL HEY
Instrutor de Yoga e co-criador do projeto Irmãos Ahimsa. Colabora com a Mingo compartilhando textos autorais.
Deixe um comentário
O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *