Na espiritualidade, a vontade de incorporar uma prática em nossas vidas normalmente nasce quando nos damos conta de que há um trabalho interno a ser feito dentro da gente, uma transformação que mude nossa maneira de experienciar os eventos da vida.
Em nossa cultura, quando nos damos conta de que precisamos mudar e nos transformar, é comum que muitos de nós logo pensemos que para isto acontecer, precisamos de um psicanalista. Não há nada de errado com este pensamento, até porque muitos psicanalistas podem sim nos auxiliar em transformações profundas e urgentes.
Mas parece ser valioso, enquanto sociedade e cultura, nos empoderarmos a ponto de sermos capazes de perceber que “transformação interna” é um assunto antiquíssimo na humanidade, muito mais antigo do que a profissão de terapeuta ou de coaching, e que diversos povos desenvolveram verdadeiras ciências capazes de nos fornecer ferramentas para que nós mesmos sejamos os protagonistas destas transformações.
Há milhares de anos, seres humanos de diferentes culturas e regiões do mundo, vêm desenvolvendo práticas, das mais diversas possíveis, com a intenção de que nos conduzam a processos de transformações internas. Meditações, cânticos, peregrinações, rezas, mudanças na alimentação, exercícios de respiração, repetição de mantras, práticas físicas, trabalhos comunitários, estudos de escrituras, períodos em silêncio, trabalhos manuais, caminhadas pela natureza, jejuns, observação da mente, cerimônia do chá, cultivo de uma mente compassiva, procissões (…): é sem fim a quantidade de práticas que as mais diversas tradições de espiritualidade e autoconhecimento desenvolveram ao longo dos milênios, voltadas a todos os gostos, temperamentos, linguagens culturais e intensidades da sede de cada um.
O interessante é: nunca antes na humanidade, podemos ter acesso a tantas possibilidades de práticas espirituais.
O desinteressante é: muitos de nós ficamos sem ter a menor ideia de como nos guiarmos, em meio a tantas práticas, muitas delas vendidas através de cursos e workshops que nos prometem milagres.
Na minha jornada, eu me lembro de um momento em que a única coisa que era nítida e clara em mim, era a sede de me transformar, para poder experienciar a vida com mais profundidade e verdade. Para onde ir, e o que fazer, eram coisas totalmente obscuras dentro de mim. E me guiando apenas por esta sede, fui conhecendo e experimentando vários caminhos e práticas.
Em um dia eu estava praticando meditação ao lado de praticantes do Zen budismo. Em outro, eu estava em cerimônias de tambor xamânico, em outro, caminhando por montanhas tentando (sem muito sucesso) ficar em silêncio. Em outro, eu estava estudando religiões africanas, e em outro, em rodas de capoeira, e em outro, em práticas do Yoga.
E se eu puder compartilhar, como um testemunho da minha própria caminhada, algo que se apresentou a mim como um aprendizado, que, se não servir a outras pessoas, pelo menos serviu a mim: mais importante do que qualquer prática, é a sinceridade da nossa sede e da nossa busca. Mais do que isso: a sinceridade desta sede, seja ela uma sede pela pacificação da mente, uma sede por uma sensação de completa liberdade, ou uma sede por uma conexão mais genuína e intensa com a vida, com o divino, com a verdade, com a essência de quem somos, esta sede sincera é uma poderosa bússola. Esta sede nos guia. Mesmo que, durante o caminho, nossa mente racional não saiba muito bem dizer para onde estamos indo.
Esta sede faz com que a gente se mova. E quando a gente se move, a gente nem sempre vê, mas é como se nossos pés abrissem sulcos pela terra da vida, onde inevitavelmente um plantio acontece, e uma colheita também.
E talvez uma das mais belas colheitas possíveis, seja quando formos capazes de perceber que a grande prática, a verdadeira prática, é a própria vida.
Fazer dos movimentos cotidianos (agradáveis ou desagradáveis, simples ou difíceis) de cada instante deste dia uma prática contínua: hoje sinto que era esta a prática que eu estava em busca quando iniciei minha busca.
DANIEL HEY
Daniel (Daniel é irmão de Julio. Juntos, se denominaram “Irmãos Ahimsa”, para assumirem o compromisso de realizar trabalhos voltados a uma cultura de mais autoconhecimento e menos violência)
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