Um antigo conto zen narra a história de um ladrão que era obcecado por diamantes. Certa vez, ele estava há dias observando de longe o diamante de um comerciante. Assim que um senhor comprou a joia, o ladrão começou a segui-lo, aproveitando o alvoroço da rua para trombar várias vezes com o dono da joia, apalpando seus bolsos sem ser percebido, procurando o diamante. Nada. O senhor seguiu para o trem, e o ladrão embarcou junto. Enquanto o senhor dormia, o ladrão revirava seus pertences e malas. Não encontrava.
Quando o destino do trem foi alcançado, o senhor desceu e o ladrão foi atrás, não mais para tentar roubá-lo, mas para pedir uma explicação. Ele abordou o senhor, e disse que não iria roubá-lo. O que queria, era apenas saber onde foi que ele escondeu o diamante que comprou, pois em décadas treinando suas habilidades de roubo, jamais ficou tão perplexo em não encontrar a peça que sabia estar com o senhor. O senhor, que era um mestre zen, sorriu, e disse que havia notado a presença dele assim que comprou a peça. E então, colocou o diamante no único lugar que o ladrão não pensaria em procurar.
O ladrão, ainda mais perplexo, perguntou: “onde?” E o mestre disse: “no seu bolso.”
Esta pequena história diz muito sobre a condição atual de muitos de nós. Estamos fazendo todos os malabarismos possíveis para tentar encontrar externamente aquilo que já se encontra dentro de nós. Por diversas razões (culturais, sociais, familiares), a experiência comum de muitos de nós é buscar uma sensação de realização e completude em aspectos externos: na família, no trabalho, nas aquisições materiais, nas experiências sensoriais. E isto não é errado. Aliás, um dos aspectos mais valiosos da espiritualidade, é que não se trata de indicar o que é certo ou errado. Mas sim, de perceber o que é mais harmônico, verdadeiro, equilibrado e valioso ao seu coração. E então, se colocar internamente aberto para as transformações necessárias que nos conduzam àquilo que é mais verdadeiro, profundo, real. E neste sentido, a espiritualidade é aquilo que, no contexto desta breve história zen, vem nos indagar: e se a joia estiver aí no seu bolso, ao seu alcance? E se o “diamante” (que nada mais é do que a paz, a sensação de pertencimento, a alegria simples) já estiver pronto, aqui, com você? O que te impede de perceber? O que te faz continuar lutando desesperadamente para conseguir externamente aquilo que só pode ser conseguido internamente?
São perguntas que, mais importante do que respondê-las é assistir como nossas mentes reagem a elas. Pois dependendo das respostas que nossas mentes dão para o convite que nos chama a considerar que internamente possuímos uma vasta riqueza (não monetária, mas existencial), fica bastante nítido quais são os condicionamentos (culturais, familiares, psicológicos) que nossas mentes carregam pela vida. E tantas, tantas vezes, é o peso destes condicionamentos que torna a nossa experiência do dia pesada, e não tanto o peso das coisas que acontecem durante o dia.
Perceber que a mente nos condiciona, e que a transformação destes condicionamentos está em nossas mãos e em nossas maneiras de olhar a vida, é um passo valioso nessa jornada. É um passo na direção de mais autorresponsabilidade e menos vitimismo. Há muitas joias pelo caminho da vida. Em nós, nos outros, nos animais, na água, no vento, no chão. Transformar a mente, para perceber a joia da existência que pulsa em nós, é dizer para a vida que estamos mais interessados na natureza vasta e profunda deste universo, do que nos dramas e enredos fabricados pelas nossas mentes.
DANIEL HEY
Daniel (Daniel é irmão de Julio. Juntos, se denominaram “Irmãos Ahimsa”, para assumirem o compromisso de realizar trabalhos voltados a uma cultura de mais autoconhecimento e menos violência)
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