Faço um convite para nos aproximarmos de um (dentre tantos) paradoxos existentes em nosso dia-dia: A necessidade de saber se desconectar para encontrar uma conexão genuína consigo mesmo.
Penso que essa sofisticada capacidade tem início nos primórdios de nossa vida, através da primeira relação que nos conecta ao mundo mental: a relação mãe-bebê.
Quando me refiro a essa relação, tomo como base a teoria do pediatra e psicanalista inglês, Dr. Donald Winnicott, que, possuidor de uma sensibilidade ímpar, intuiu que não existe bebê, como um ser psicológico, sem uma mãe, e vice-versa. Ele conjecturou que durante um período, que se inicia nos meses finais da gestação, a mãe passaria a desenvolver o que ele chamou de “doença saudável”, que perduraria pelos primeiros meses da vida do bebê.
Essa fase se caracterizaria por um processo de gradual desconexão da mãe com relação às suas atividades particulares, para o nascimento de uma íntima e profunda conexão com seu bebê, tornando-se com ele um único sujeito.
Essa “desconexão-conexão”, marcaria o nascimento psicológico do ser humano, sendo a pré-concepção para capacidade de se viver relações de intimidade.
Claro que todo esse processo, extremamente complexo e turbulento, acontece de forma mais harmônica se existe um terceiro oferecendo um suporte para essa relação.
Gostaria de ampliar e iluminar essa preciosa contribuição do Dr Winnicott, que também fez questão de grifar que todo esse processo acontece dentro de uma relação “suficientemente boa”, dispensando as idealizações.
Independentemente do que herdamos dessa relação possível em nossas vidas, sempre necessitamos de novos cuidados.
Como nos alimentamos, como fazemos nossa higiene pessoal, como nos exercitamos e relaxamos, como nos relacionamos com nossa vida intelectual e mental, faz parte do contínuo auto-cuidado, essencial para nosso bem-viver.
Se na sua prática como pediatra, Dr Winnicott orientava os pais como cuidar de suas crianças, na prática psicanalítica, resgatava junto com seus pacientes adultos, em sofrimento, a capacidade de brincar.
É muito comum, diante das exigências da vida adulta, perdermos o estado de espírito presente no brincar. Confundimos com “levar na brincadeira”, como se não estivéssemos encarando com seriedade nossas responsabilidades.
Mas o que chamamos aqui de “brincar”, refere-se à capacidade de estabelecer uma relação íntima consigo mesmo e com a sua vida, alcançando um viver criativo gerador de experiências emocionais.
Atravessamos um momento, em que nosso desenvolvimento como civilização, sem que percebamos, mergulha numa rotina frenética, nos oferecendo muito de tudo, em proporções muito maiores do que conseguimos absorver. E, por muitas vezes, guiados por nossa voracidade primitiva, engolimos quantidades enormes de produtos, de trabalho, e até mesmo o que era para ser um momento de lazer, se transforma numa experiência excessiva.
Com tantas coisas boas e legais, batendo em nossas portas diariamente e invadindo nossas redes sociais, nossa condição para exercitar o ato de escolher, torna-se altamente prejudicada.
Nunca se consumiu tanto, e paradoxalmente, nunca tivemos tantas queixas de sentimentos de vazio, caracterizados por quadros de ansiedade.
Este panorama é sinal de que estamos tendo uma vida e não necessariamente um viver criativo, em que assumimos o lugar de sujeito, protagonista de nossa própria história, tornando-nos responsáveis e conscientes de nossas necessidades e escolhas.
Este alcance vem do exercício diário, de dedicação em resgatar a relação de intimidade consigo mesmo, através do mecanismo primordial que nos habita, de desconexão-conexão, proporciona um espaço criativo, para que nossas escolhas nasçam a partir de demandas reais, e consequentemente possam nos oferecer uma experiência emocional colorida e preenchida de sabor.
TAMARA MARUSSIG
Tamara possui uma sensibilidade no trato com as pessoas, é Psicóloga pela Universidade Federal do Paraná / UFPR — CRP 08/09794 e membro filiado do Grupo de Psicanálise de Curitiba.
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